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25 milhões, a maioria mulheres, começaram usar as bets nos últimos 6 meses

O número de clientes das chamadas bets (jogos de azar) aumenta em altíssima velocidade no país, e tem cada vez mais mulheres jogando.

Nos últimos seis meses, esses aplicativos ganharam 25 milhões de usuários — quase metade do total de 52 milhões de brasileiros que fazem apostas esportivas.

Os dados são de um levantamento inédito do Instituto Locomotiva, divulgados em primeira mão pelo UOL. A pesquisa entrevistou 2.060 pessoas de forma remota em todo o país entre os dias 3 e 7 de agosto.

Mais mulheres apostam
Desses novos apostadores, 62% são mulheres, um público que inicialmente não mostrava tanto interesse nas bets. Há um ano, segundo o instituto, 78% dos usuários das bets eram homens.

“No começo, entrava só aquele grupo dos boleiros, que já tinha o hábito de apostar na vitória do próprio time, ou contra um adversário. Eram quase sempre homens. Mas isso vem mudando rapidamente”, explica Renato Meirelles, presidente do Locomotiva.

“O público feminino, apesar de gostar de futebol, costuma ser mais racional e mais controlado com as despesas. Não é à toa que programas sociais como o Bolsa Família entregam o dinheiro às mães, não aos pais. Mas agora elas também estão jogando, correndo riscos”, diz Meirelles.

Uma das explicações para essa mudança de comportamento, analisa ele, é que muitas mulheres entraram nesses aplicativos querendo entender para onde estava indo parte do orçamento familiar, depois que filhos e marido davam seus palpites.

Outra possibilidade é ainda mais alarmante: “Por desinformação, elas acreditam que as bets podem ser uma fonte de renda extra”.

Ilusão de uma renda extra
A pesquisa mostra também que 84% desses novos apostadores vêm das classes C, D ou E, e apenas 16% são da A ou B.

O economista Roberto Kanter, professor de MBA da FGV (Fundação Getulio Vargas), diz que o grande problema desses serviços é o fascínio que causam nos usuários, que veem em uma diversão acessível uma chance de ainda ganhar dinheiro.

“O público que gosta de jogar já existia, mas as bets são fáceis demais de usar. Basta ter um celular com internet para participar”, afirma Kanter.

“O brasileiro, na média, não tem educação financeira, mas com as classes mais vulneráveis esse desconhecimento é ainda mais preocupante. Muitas vezes são pessoas que não têm renda fixa e ficam apostando picado, quando juntam algum dinheiro, e, de R$ 10 em R$ 10, vão perdendo o controle, iludidos com um ou outro ganho”, diz o economista.

“Eles não percebem que a banca sempre ganha.”

Sem dinheiro para coisas importantes
Há um risco de as apostas reduzirem o poder de compra dos consumidores e afetarem o faturamento do varejo nacional.

Dados novos do Instituto Locomotiva revelam que 37% dos clientes dos aplicativos admitiram ter gastado dinheiro que seria usado “para coisas importantes” em seus palpites, e 45% tiveram prejuízos financeiros.

Em junho, a SBVC (Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo) divulgou um estudo que mostrava que 63% das pessoas que usavam as bets ficaram com renda menor. Por causa disso, 23% deixaram de comprar roupas, 19% reduziram as compras no supermercado e o mesmo percentual abriu mão de viajar.

A assessora econômica da Fecomércio-SP (Federação do Comércio de São Paulo) Kelly Carvalho diz que no monitoramento mensal da entidade ainda não há dados que comprovem essa redução nas compras no varejo devido às bets.

“Acho que existe um pouco de exagero sobre esse impacto. As plataformas estão crescendo, cada vez mais gente joga, é verdade, mas, por outro lado, os números do endividamento das famílias se mantêm estáveis”, afirma.

Em junho deste ano, 71,3% das famílias da cidade de São Paulo estavam endividadas. Em julho, o percentual oscilou para baixo e ficou em 70,4%.

Atualmente, 86% dos brasileiros que fazem apostas online estão endividados, segundo o Locomotiva.

Carvalho diz que é preciso ter atenção com os dados do consumo. “Um problema adicional agora é que estamos vendo uma alta da inflação.

Quem já teria dificuldade de comprar itens básicos vai sofrer bem mais se estiver colocando valores em apostas.”

Os itens que primeiro devem ligar o alerta de que está faltando dinheiro no varejo são os bens de consumo duráveis, como móveis, automóveis e eletrodomésticos. Mas, em uma situação extrema, o impacto pode se estender a áreas como medicamentos e perfumaria, vestuário, bebidas, serviços e diversos outros setores.

Em entrevistas recentes, duas redes importantes do comércio brasileiro culparam as bets por dificuldades de caixa. O presidente do hipermercado Assaí, Belmiro Gomes, afirmou que a líder no setor de atacarejo só não atingiu os níveis de venda de antes da pandemia por causa das apostas esportivas e de outros jogos online. A SideWalk, que vende calçados e roupas, justificou o pedido de recuperação judicial alegando que esses sites ajudaram a reduzir o faturamento de suas lojas.

O UOL procurou as assessorias de imprensa das maiores varejistas do Brasil. As que responderam à reportagem preferiram não dar entrevistas por falta de dados que comprovem qualquer impacto no consumo relacionado às bets.

Saúde mental
O recorte inédito da pesquisa do Instituto Locomotiva alerta também para os impactos psicológicos das apostas.

Três a cada cinco usuários das bets reconhecem que os jogos afetam negativamente a saúde mental. Metade deles (51%) diz que o uso do aplicativo aumenta a ansiedade e 47% fazem as apostas para escapar de problemas ou de emoções negativas.

“Os problemas financeiros e psicológicos aparecem principalmente porque as bets têm atingido grupos que têm menos condições de apostar. Tem a ver com a necessidade de pagar as contas, mas também pode estar ligado ao vício, a um processo de compulsão. Certo é que todas essas fragilidades estimulam o uso cada vez maior desses serviços”, diz Meirelles, do Locomotiva.

Para o fundador e coordenador do Programa Ambulatorial do Jogo (Pro-Amjo), do Hospital das Clínicas de São Paulo, Hermano Tavares, as bets cativam principalmente jovens, pobres e com menos discernimento do perigo das apostas.

“Esses sites dão sempre a impressão de que você chegou muito perto da vitória ou que ganhou dinheiro, quando, na verdade, você perdeu.

Isso deveria ser proibido numa regulamentação dos jogos, assim como deveria haver uma ampla limitação da publicidade”, diz o psiquiatra.

Tavares afirma que sempre existiram pessoas que gostavam de jogos, mas a facilidade de acesso das bets criou novos apostadores. “São pessoas que, quando se dão conta dos exageros nas apostas, já perderam muito dinheiro e saúde.”

Ele defende que o SUS (Sistema Único de Saúde) seja treinado para tratar essas pessoas viciadas nos jogos, um grupo que, segundo ele, só deve aumentar. O Pro-Amjo tem 60 pessoas na lista de espera para iniciar o tratamento contra o vício nos jogos. Em 2023, dos 160 pacientes do programa, 108 tinham problemas com as apostas esportivas.

Fonte: TAB/UOL