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Deu a louca no mundo: o que saúde mental tem a ver com caça aos cliques?

“Good news, no news” (em bom português, boa notícia não é notícia).

Essa velha máxima das redações desde os tempos imemoriais, em que jornalismo era uma atividade restrita a jornalistas profissionais, nunca foi tão verdadeira como agora nesta verdadeira revolução provocada nas comunicações humanas pelas redes sociais.

É a velha teoria do “quanto pior, melhor”, levada às últimas consequências, em que a verdade factual pouco importa. Quanto maior a desgraça, o absurdo ou a ofensa, maior a audiência. Se puder “lacrar”, melhor ainda. Jornalistas deixaram de ser donos da verdade, que agora não tem mais dono nesta terra de ninguém.

Agora que a internet permite a todo mundo emitir suas próprias notícias e opiniões, do doutor erudito de muitos títulos ao meu amigo Zito, um sábio popular que trabalha de garçom do restaurante Sujinho nas horas vagas, a chamada imprensa tradicional também entrou no vale tudo da caça aos cliques.

Disputam o mesmo espaço e a atenção do distinto público tanto os chamados “especialistas”, requisitados cada vez mais para ocupar o lugar de repórteres nos canais de notícias, quanto os jornalistas do “mainstream” e o mais analfabeto dos blogueiros que se sente habilitado a dar pitacos na nova geopolítica mundial.

A consequência disso é que, ao final do dia, depois de tudo ler, ver e ouvir, o cidadão vai dormir sem saber direito o que está acontecendo, mas com a nítida sensação de que deu a louca no mundo.

Nunca se falou e comentou tanto sobre saúde mental como nos últimos tempos, desde os longos meses de pandemia, em que ficamos confinados e tivemos mais tempo para navegar nas redes e portais para buscar algum alento, sair do baixo astral, virar o jogo.

Quando a pandemia passou, veio a polarização política, que rachou a sociedade brasileira ao meio, separou familiares e amigos, terreno fértil para a proliferação de “influencers” e pastores televisivos, essa praga que movimenta milhões de “seguidores” e devotos, e rende muito dinheiro a todo tipo de picareta, fazendo a alegria das big techs e dos outsiders da política que surfaram na onda.

Parafraseando Silvio Santos e seu quadro “topa tudo por dinheiro”, agora é “topa tudo por um clique”. No fundo, vem a ser a mesma coisa.

Vimos isso no primeiro debate de candidatos a prefeito promovido pela Band esta semana. Com seu desempenho entre o apoplético e o grosseiro, o candidato Pablo Marçal pode não ter conquistado muitos votos, mas com os “recortes” das “lacrações” divulgados nas suas redes, certamente faturou alto em audiência, multiplicando seu plantel de seguidores. A baixaria se retroalimenta.

Isso ajuda a entender também o baixo nível da atual legislatura no Congresso, em que parlamentares produzem selfies durante os debates, para alimentar suas redes antissociais e garantir sucessivas reeleições com emendas secretas e generosos fundos partidários.

Foi nesse caldo de cultura do negacionismo, do fanatismo e da ignorância que a extrema direita se criou e multiplicou pelo mundo todo.

Tudo pode começar com a caça aos cliques em que palavras e valores perdem o sentido. Dane-se o mundo.

O que importa é faturar aqui e agora, como diria Elon Musk, o tresloucado dono deste mundo cibernético que muito tem a ver com a epidemia de doenças mentais geradas pelas fake news e os algoritmos das plataformas, mais mortíferas que a Covid tratada com cloroquina.

Lembram do tempo em que a gente dizia “parem o mundo que eu quero descer?” Pois é, a gente era feliz e não sabia. Agora pode ser tarde demais. O mundo está capotando.

Vida que segue.

Fonte: Coluna Ricardo Kotscho no UOL