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Professores da Unicamp defendem salvar a economia sem expor o brasileiro à morte

Professores e pesquisadores, principalmente do Instituto de Economia da Unicamp, elaboraram um manifesto em que são feitas propostas de medidas emergenciais que os governos devem adotar para evitar o colapso da economia. Diferente das propostas do governo Bolsonaro de romper o isolamento social contra o coronavírus, os pesquisadores mostram soluções para salvar a economia sem expor brasileiros à morte. Veja o manifesto:

Manifesto de Professores(as) e Pesquisadores(as) Abaixo-Assinados do
Instituto de Economia (IE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Coronacrise e medidas de enfrentamento

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia do COVID-19. Ele produz uma combinação de crise sanitária, econômica e social sem precedentes na história recente.

Devido a seu enorme potencial de contágio, o novo coronavírus sobrecarrega os sistemas de saúde e exige medidas restritivas, como o isolamento social e a decretação de quarentenas. Evidentemente, essas medidas sanitárias, fundamentais para conter o espraiamento do vírus, promovem a paralisação da atividade econômica, levam à perda de empregos e renda da população, e provocam a falência de diversas empresas, em particular as de menor porte e sem capital de giro.

A quarentena em diversas localidades rompe a divisão internacional do trabalho interdependente e especializada. Interrupções nas cadeias globais de produção culminam em depressão econômica em nível mundial.

Nesse cenário, a atuação conjunta da Comunidade, do Estado e do Mercado torna-se fundamental para impedir a crise tomar proporções catastróficas. No plano da política econômica, em curto prazo, cabe a utilização massiva da política fiscal. Política monetária, isoladamente, será insuficiente.

Não se trata apenas de uma medida anticíclica de recuperação dos níveis de investimento e, em consequência, do crescimento da renda e do emprego. Trata-se de manter os fluxos de renda (salários, alugueis, juros e lucros) por um período de duração imprevista em quarentena.

Esses fluxos têm de ser assegurados para quem não tem reservas financeiras. Sua interrupção fraturará as cadeias produtivas, comerciais e financeiras com perverso efeito multiplicador sobre todo o sistema.

A crise de liquidez em função de carência do fluxo de entradas nas contas a receber face ao fluxo de saídas nas contas a pagar obriga à política de crédito dar condições bancárias para o refinanciamento dos endividados. E atender à demanda por maior capital de giro.

Tanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) quanto o Banco Mundial recomendam aos países ampliar urgentemente os gastos com saúde pública e buscar medidas de apoio aos mais vulneráveis. Será preciso apoiar, urgentemente, todas as pessoas afetadas durante a pandemia por meio de redes de proteção social com transferência de renda e atendimento de saúde gratuito.

Quanto às micro e pequenas empresas, além de apoio com crédito no curto prazo, será necessário o adiamento ou o abono no pagamento de impostos e tarifas de serviços.

A preocupação com a situação fiscal deve ser abandonada no cenário atual. Conter o gasto público para limitar o crescimento inevitável do déficit público deixou de fazer sentido social. O descontrole da pandemia pode prolongar muito a crise, tornando inevitável a queda da arrecadação tributária.

Não é oportuna a insistência em austeridade fiscal na atual conjuntura. Não se trata de apenas fazer algum remanejamento orçamentário, sem injetar recursos novos na economia.

No Brasil, criou-se nos últimos anos um conjunto de regras fiscais de modo a impedir a atuação ativa do Estado, inclusive em circunstâncias de crise de saúde pública e crise sistêmica. Reduziu seguidamente os investimentos públicos e os recursos para as áreas sociais. A economia brasileira rasteja com estagnação no fluxo de renda e concentração no estoque de riqueza.

Chegou a hora de abandonar a estratégia neoliberal. Ela se mostra totalmente inadequada e danosa para o enfrentamento da atual crise e suas futuras consequências.

As privatizações, a austeridade fiscal, a precarização do mercado de trabalho e o desmonte das políticas públicas aumentam a vulnerabilidade social. São incapazes de fazer frente aos desafios da economia brasileira nem hoje e nem no futuro.

Alterar a estratégia e trilhar outro caminho com desenvolvimento e maior equidade social se torna fundamental para mediar os problemas econômicos e sociais decorrentes do COVID-19.

Nesse sentido, nós, professores (as) e pesquisadores (as) do Instituto de Economia da UNICAMP abaixo assinados, defendemos destinar todos os recursos demandados pela saúde pública a partir do planejamento do SUS. Cabe atender as diferentes necessidades de estados e municípios.

Além disso, ressaltamos o papel do Estado de garantir a renda dos trabalhadores formais e informais, além da população em condições de vulnerabilidade. Dessa forma, todos serão capazes de atravessar o período do isolamento sem a necessidade de arriscar sua saúde para garantir sua sobrevivência.

Por fim, é importante preservar a solvência das empresas e das instituições de crédito. Ambas poderão enfrentar uma depressão econômica de longa duração com consequências sociais trágicas.

A realidade impõe a necessidade de desapego dos dogmas de austeridade fiscal e monetária. A inflação está sob controle em nível historicamente muito baixo.

Atualmente, o risco maior é sanitário para a sociedade e cambial para empresas com endividamento externo.

Nos colocamos à disposição da sociedade brasileira para contribuir em um debate público plural, propondo medidas adequadas e urgentes para o enfrentamento da epidemia.

Campinas – SP, 25 de março de 2020

Fonte: Carta Campinas

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