Artigos de menuUltimas notícias

Taxar bilionários geraria R$ 1,3 tri por ano; no Brasil seriam 50 pessoas

Uma taxa de 2% sobre 3.000 bilionários pelo mundo geraria uma renda extra aos cofres públicos de US$ 250 bilhões a cada ano (cerca de R$ 1,35 trilhão, na cotação atual), suficiente para garantir uma ação mais eficiente contra a desigualdade. Essa é a conclusão de um estudo encomendado pelo G20, diante da proposta do Brasil de criar um imposto sobre as grandes fortunas.

Juntos, esses bilionários controlam US$ 14,2 trilhões. Mas representam, na maioria dos países, apenas 0,0001% da população.

No Brasil, cerca de 50 pessoas se encaixariam nesse padrão de patrimônio.

O documento, preparado pelo economista francês Gabriel Zucman, também concluiu que se houver um imposto sobre as pessoas com uma fortuna de mais de US$ 100 milhões, a arrecadação anual pode também somar mais US$ 140 bilhões.

No mundo, 65 mil adultos contam com patrimônio de mais de US$ 100 milhões e controlam US$ 16,9 trilhões.

Zucman também ensaia a possibilidade de que um imposto de 3% seja aplicado tanto sobre os 3.000 bilionários quanto sobre os 65 mil milionários. Neste caso, a arrecadação mundial extra seria de até US$ 690 bilhões (R$ 3,7 trilhões, na cotação atual).

O G20 se reúne em julho para tentar fazer avançar a proposta e a ideia inicial é de começar apenas com impostos apenas sobre os 3 mil indivíduos com uma fortuna acima de US$ 1 bilhão. O G7 já indicou que está disposto a trabalhar com a ideia, enquanto governos como o da Espanha, Bélgica e França já declararam de forma explícita seu apoio à nova taxação.

O relatório, intitulado “Um projeto para um imposto mínimo coordenado sobre indivíduos de patrimônio líquido ultra-alto”, chegou às seguintes
conclusões e propostas:
Aplicação de uma alíquota mínima de 2% da riqueza para bilionários em dólares (cerca de 3.000 indivíduos em todo o mundo), o que geraria cerca de US$ 250 bilhões por ano em receita tributária adicional.
Os impostos só teriam que ser pagos por bilionários que ainda não pagam o equivalente a 2% de seu patrimônio em imposto de renda.
Dessa forma, a proposta não é um imposto sobre a riqueza, mas funciona como um mecanismo de complementação. O imposto, porém, seria aplicado sobre o patrimônio, e não sobre a renda.

Imposto pode ser criado e não há a necessidade de um tratado internacional
Felipe Oliveira, do Ministério da Fazenda, indicou que a taxa é prioridade da presidência do Brasil no G20. “O estudo é parte chave da estratégia para negociar o tema”, disse. Segundo ele, um dos argumentos contrários é de que a implantação seria difícil, em termos técnicos. Mas o estudo revela que isso pode ser feito hoje.

O representante do governo, ainda assim, alerta que, ainda que haja consenso entre acadêmicos, “as negociações entre governos
prometem ser longas”.

Zucman confirma: o imposto é possível e pode ser implementado. Mas admite que fazer passar a lei em diferentes parlamentos será “uma
batalha”.

Para ele, o caminho seria uma coordenação global, incluindo mais troca de informação e um padrão comum para evitar uma concorrência entre
governos. Ele lembra que, em 2021, 130 países adotaram uma taxa mínima de 15% sobre multinacionais.

O economista destaca que não seria necessário um acordo internacional para que isso entre em vigor. Mas um compromisso de coordenação. “Não se trata de criar uma taxa global”, explicou, insistindo que cada arrecadação continuaria dentro de suas soberanias.

Em sua avaliação, um dos desafios é estabelecer quem deveria ser taxado. Sua sugestão é não se crie impostos sobre os lucros ou receitas anuais. Mas sobre o patrimônio.

Para chegar a isso, uma das formas seria de medir quem detém ações de empresas listadas nas bolsas e as participações de indivíduos em empresas.

Para lutar contra a evasão, o economista sugere que haja uma ampliação da troca de informações entre governos. O mesmo sistema já existe no caso financeiro e de bancos. Portanto, sua sugestão é de que esse mecanismo seja ampliado para a troca de dados sobre quem seriam os proprietários de ações e empresas. “A evasão não uma é lei da natureza”, disse.

Quem seriam os afetados?
O documento deixa claro que não existe risco algum de que essa taxa envolva a classe média ou a grande maioria dos empresários quem tenha tido êxito em seus negócios. No mundo, de cada 1 milhão de famílias, apenas uma estaria dentro deste critério.

“Os bilionários são muito poucos. Mas eles são importantes por pelo menos dois motivos”, diz o estudo. “Primeiro, eles têm um poder econômico e político significativo por meio de suas participações em grandes corporações e, em alguns casos, por sua propriedade de empresas de mídia e influência na formulação de políticas”, explicou.

Em segundo lugar, dados de listas de pessoas bilionárias sugerem que sua riqueza aumentou de forma particularmente rápida desde a década de 1980. Entre 1987 e 2024, a riqueza média das famílias 0,0001% mais ricas do mundo aumentou cerca de 7% ao ano, em média, sem a inflação — muito mais rápido do que a riqueza média, que foi de 3% ao ano.

“Os bilionários e as empresas que eles possuem têm sido os principais beneficiários da globalização. Isso levanta a questão de se os sistemas tributários contemporâneos conseguem distribuir esses ganhos adequadamente ou se, em vez disso, contribuem para concentrá-los em poucas mãos”, constata o documento.

Eu seria afetado?
Apenas se você estiver na seleta lista de cerca de 50 brasileiros que contam com mais de US$ 1 bilhão. Os Estados Unidos, a França, a Holanda e Itália, juntos, abrigam cerca de 35% dos bilionários globais e respondem por cerca de 40% da riqueza global dos bilionários.

Na América Latina, a previsão é de que os impostos atingiriam apenas 105 pessoas que, juntos, contam com US$ 419 bilhões. Taxá-los em 2% geraria US$ 7 bilhões em receitas extras.

No caso brasileiro, o banco UBS informa que o grupo dos bilionários do país detinha uma fortuna de US$ 176,1 bilhões em 2020, um aumento de 99% em comparação ao volume de 2009 e acima dos US$ 127 bilhões registrados em 2019.

Em 2019, existiam 45 bilionários no país. Em 2020, o número subiu para 50. O total, porém, ainda foi maior em 2018, quando o número de ultra-ricos chegou a 58 e somaram US$ 179 bilhões.

O mesmo banco ainda revelou que existiam 415 mil milionários no Brasil em 2022. Eles, porém, não entrariam nessa taxação.

Quanto dinheiro eles concentram em suas mãos?
De acordo com o estudo, há uma crescente concentração de riqueza nas mãos dessas pessoas. O patrimônio dos 0,0001% mais ricos, expressa como uma fração do PIB mundial, foi multiplicada por mais de quatro vezes desde meados da década de 1980:
Em 1987, os 0,0001% mais ricos possuíam o equivalente a 3% do PIB mundial em riqueza.
Em 2008, essa riqueza aumentou gradualmente para 8% do PIB mundial.
Em 2024, essa riqueza ultrapassa 13% do PIB mundial.

Quanto eles pagam hoje em impostos?
Outra constatação do estudo é que, hoje, esses bilionários estão basicamente isentos de impostos e pagam o equivalente a apenas 0% a 0,6% de sua riqueza em tributação individual. A alíquota do imposto sobre o capital individual está próxima de 0% para pessoas físicas com patrimônio líquido muito alto em países como a Holanda. Ela é de cerca de 0,6% do patrimônio nos Estados Unidos.

Em todos os casos, proporcionalmente, eles pagam menos que a classe média.

Para a implementação doméstica dos impostos, seria possível usar:
Um imposto de renda presumido
Um imposto sobre noções amplas de renda (por exemplo, incluindo ganhos de capital não realizados)
Um imposto sobre a riqueza

Outras conclusões do estudo:
A pesquisa estabelece um padrão sistêmico de regressividade em nossos sistemas tributários: os super-ricos têm alíquotas de impostos mais baixas do que outros grupos sociais. A pesquisa baseia-se em dados fiscais oficiais que agregam impostos sobre a renda pessoal, impostos sobre o consumo e impostos corporativos.

A regressividade tributária priva os governos de quantias significativas de receitas fiscais, prejudica a coesão social e contribui para o aumento da concentração de riqueza.

Para evitar uma corrida para o fundo do poço, a abordagem mais eficaz para resolver esse problema envolve um imposto mínimo coordenado.

A proposta é a maneira mais eficiente de lidar com a regressividade tributária. O relatório comparou a proposta com um aumento no imposto de renda pessoal e no imposto sobre heranças. Todas as alternativas não conseguem resolver a regressividade no topo da pirâmide. Elas podem funcionar como opções complementares.

Os recentes avanços na cooperação tributária internacional sob a liderança do G20 tornaram esse novo padrão internacional tecnicamente viável e eficaz, mesmo com uma participação menor do que a total.

Para Zucman, o que é necessário agora é um “endosso político no maior número possível de países” para permitir que haja uma coordenação suficiente e um impacto real na arrecadação.

Fonte: Coluna Jamil Chade no UOL