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“Vida de cão” inviabiliza sermos mão de obra de qualidade

Ônibus lotado em Madureira, na zona Norte do Rio – Imagem: JORGE HELY/FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO

Quanto tempo você leva para ir para o trabalho?

Eu estava me cansando. 50 minutos dentro do metrô, numa conta em que trabalhar em pé já não estava mais sendo possível – afinal, tenho 1,87 mtro de altura e a coluna estava ficando fragilizada. Mais que o esforço físico, estava também entendendo que não valia tanto a pena ficar distante de um dos trabalhos e, assim, passar um tempo em específico no transporte público.

Reclamo, mas sei onde mora meu privilégio, dor que não chega aos pés de quem enfrenta mais de um modal para chegar ao trabalho, muitas vezes quase nem dorme em casa, sendo mais fácil viver dentro das linhas de ônibus, trem, metrô, barca e qualquer outro serviço.

Com uma mudança recente, constatei em caráter próprio: é insano cobrar produtividade para quem vive nessa condição, correndo de uma plataforma a outra. Paga-se muito pouco por isso e nem mesmo há o mínimo de conhecimento (ou reconhecimento) a respeito do que se vive da porta do trabalho para fora. E há quem reclame de fazer o pagamento de vale-transporte, um objeto ”caro”.

”Seja mais criativo”, ”Seja mais atento”, ”Chega cedo amanhã”, ”Você está cansado e não são nem 12h”, é uma das frases que provavelmente você escutou se mora longe. E precisou sorrir, numa estridência que dá vontade de voar na cara de quem falou. Se ela pegasse o BRT, talvez entendesse como é a vida fora do Uber.

Há milhares de pessoas que moram longe de seus ofícios e precisam custear outras formas – que não a convencional – para ida ao trabalho.

Mas ao mesmo tempo que se faz necessário, parece distante a possibilidade de transversalizar a pauta.

Quanto mais tempo se leva, mais aumentam os desgastes e diminuem as mudanças que deveriam pautar uma só coisa: qualidade de vida tem que estar correlacionada a uma moradia digna, com condições acessíveis e que não ”matem” o trabalhador antes mesmo que ele chegue à labuta. Isso é saúde, é economia e deveria estar presente na agenda política.

Viver essa vida de cão empobrece o país e inviabiliza uma mão de obra de qualidade.

Fonte: Coluna Eduardo Carvalho no Ecoa/UOL